A Síndrome de Li-Fraumeni é uma doença genética muito rara que se caracteriza por um grande número de casos de câncer na família, chamando a atenção casos de tumores raros, como sarcomas ou tumores de suprarrenal e vários outros tumores que ocorrem tipicamente, mas não exclusivamente, em pacientes muito jovens – o exemplo mais emblemático é o câncer de mama em mulheres jovens. No Brasil, essa questão ganha outra relevância, porque a Sindrome de Li-Fraumeni não é tão rara, aliás, é uma das doenças genéticas mais comuns associadas a câncer de mama em nossa população. Especialmente no Sul e Sudeste do País, cerca de 0,3% dos indivíduos que nascem, independente do sexo, nascem com essa doença. Ela é causada pela transmissão hereditária do pai ou da mãe de uma mutação que altera a estrutura e função do gene TP53. Mutações que provocam doenças são chamadas de mutações patogênicas, ou usando uma terminologia mais moderna, variantes patogênicas.
Quando se faz um teste de DNA na saliva ou sangue de uma pessoa de 24 anos com câncer de mama, não nos surpreende encontrar a frase na conclusão do teste genético: Variante (ou mutação) patogênica em TP53. A nossa paciente jovem, com câncer de mama, tem, portanto, uma síndrome de Li-Fraumeni e isso vai nos permitir planejar a melhor maneira de conduzir o tratamento e como podemos protege-la de novos canceres de mama e de outros canceres. Como já sabemos que tipo de mutação a paciente tem, ficará muito mais fácil testar os seus irmãos, descendentes e outros familiares de primeiro e segundo grau para saber quem também herdou a mutação. A taxa de sucesso dos programas de rastreamento e prevenção nesse grupo de pessoas é muito alta e, portanto, muito gratificante.
Câncer de mama hereditário e mutações em TP53
Cerca de 10% das pessoas com câncer de mama nascem com defeitos em genes que podem resultar em câncer de mama. Os genes mais comuns associados a câncer de mama são BRCA1 a BRCA2, mas no Brasil, o gene TP53 apresenta uma frequência tão elevada de mutações em pacientes com câncer de mama, quanto os primeiros.
O que faz o gene TP53 e por que ele é tão importante?
O gene TP53 é um dos mais versáteis elementos do nosso DNA. Esse gene fornece o código para que a maquinaria das células produza a proteína TP53, que atua em diversos sistemas de sobrevivência da célula. A proteína TP53 também conduz a célula que não tem mais possibilidade de ser reparada à destruição e substituição por uma célula nova. Enfim, sem TP53 funcionante, a célula terá defeitos nos sistemas de conservação de energia, reparo de erros (ou mutações) no DNA e indução a mecanismos biológicos de morte programada.
Porque o Brasil tem tantos casos de Síndrome de Li-Fraumeni?
A história data provavelmente da segunda metade do século XVIII. Um imigrante vindo presumidamente de Portugal apresentava uma mutação patogênica única no gene TP53. Essa mutação foi espalhada em diversos descendentes desse individuo especialmente nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, por meio de rotas de tropeiros. Quando uma mutação ocorre em uma única geração em muitos indivíduos, os descendentes deles terão uma chance de 50% de serem portadores. Considerando que naquela época, famílias tinham muitos filhos, a mutação seguiu adiante. Estima-se que até 0,3% da população do Paraná, por exemplo, tenha essa mutação. Dessa forma, O Brasil tornou-se o país com maior número de casos de Li-Fraumeni no mundo.
A Síndrome de Li-Fraumeni aumenta o risco de quais tipos de câncer?
Câncer de mama é o tipo de câncer mais comum. Ele pode ocorrer em qualquer idade na vida, mas é comum em pessoas muito jovens (abaixo dos 30 anos). Câncer de mama em pacientes com Li-Fraumeni não apresenta nenhuma característica diferente do câncer em pessoas sem mutação em TP53, mas a taxa de novos tumores, inclusive na mama contralateral, é muito maior.
Sarcomas, câncer de Suprarrenal e Tumores Cerebrais – Esses tumores são raros na população geral. Na síndrome de Li-Fraumeni, no entanto, eles são relativamente comuns, podendo ocorrer em crianças inclusive. O achado desses tumores em pessoas de qualquer idade indica uma possibilidade de síndrome de Li-Fraumeni, e testes genéticos são fortemente indicados para essas pessoas.
Canceres digestivos como intestino e estomago são descritos com risco aumentado – Mais raramente, encontram-se cânceres de estômago, próstata, pâncreas, fígado e até tireóide, mas esses casos são descritos com menor frequência dos que os tipos de câncer mencionados acima.
A Síndrome de Li-Fraumeni é uma doença grave?
É uma doença com apresentação muito variável. Em algumas famílias afeta muito intensamente os portadores, com vários casos de sarcoma, câncer de mama em idade jovem e até crianças. Mas na maioria dos casos, a síndrome é menos agressiva, podendo em muitas famílias afetar poucas pessoas e em muitos casos, pessoas acima dos 70 anos inclusive. Portanto, apenas em poucos casos observamos a forma mais grave da doença. Ainda não sabemos a causa de tanta variabilidade de família para família e indivíduos dentro de uma mesma família.
Como se diagnostica e como podemos proteger do câncer as pessoas com Síndrome de Li-Fraumeni?
O diagnóstico depende de identificarmos casos suspeitos na família, como câncer de mama em mulheres muito jovens, ou pessoas com os tumores acima mencionados. Para isso usamos testes de sequenciamento de DNA, que podem ser feitos a partir da amostra de saliva ou sangue. Quando se identifica um caso, há diversas formas de fazer a prevenção. Em mulheres muito jovens com câncer de mama, a cirurgia preventiva pode ser uma medida considerada. Para outros tumores, o acompanhamento periódico com exames de imagem das mamas iniciando em idade jovem, colonoscopia e o uso de uma técnica nova, chamada ressonância rápida de corpo inteiro, tem detectado milhares de tumores em estágios iniciais curando esses tumores.
Observe sua história familiar. Casos de câncer como os mencionados acima, especialmente câncer de mama em mulheres jovens é uma boa maneira de começar. Os testes de DNA são indolores, assim como as medidas de rastreamento. E o mais importante, detectar cedo esses casos em toda a família, salva muitas vidas e é extremamente eficiente. O achado de uma mutação patogênica em TP53 não é uma sentença absoluta que a pessoa terá câncer e é uma janela excepcional para auxiliar e proteger essas pessoas de câncer.
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Texto escrito por:
Dr. Bernardo Garicochea
Médico oncogeneticista do Grupo Oncoclínicas